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The Probation

English translation by Desirée Jung

There is always the instant when we have already looked at a landscape enough, just like when we realize still need a lot of time to see it fully.

Albert Camus

    Before I found my initial job, my first occupation worth of making a note, I faced the unreasonable: a list of endless informal chores, not to mention my very little money. I was exhausted at knocking at every door showing such useless demeanour. Those three years were an affliction, without counting my hard work with my studies. Every day was like entering a dark basement. Every day the same terrible somberness. In a certain way, overcoming this ordeal left me with consequences. Symptoms I hardly tried to hide, an open and unhealed war wound, that surfaced whenever I walked into a room with my head down, over apologizing, silenced before any sentence or commitment.
    Today it would be difficult to describe my emotion, or how I felt when I was called to be the assistant manager of the company I supervise today. Dressed in my best clothes, I made sure I arrived early. The person from human relation took me to an ample room, surrounded by very tall windows. At ease, despite acting as someone who is fulfilling a grand but daily mission, he briefly introduced me to his colleagues and sent me to my desk. Following his instructions, I was to bind and number processes, successfully completing an indispensable task to the well-being of the company.
    Already burned by my unemployed years, I did my best. I tried to follow all the deadlines, as well as being there in case of an emergency. All for the “team effort,” the precious tagline of the company’s management. The only thing that bothered me was how my coworkers, since my first the day in the job, looked at me. It was terrible. They observed me nonstop. They rarely talked to me. Like children, they pretended being adults despite acting like children and following me everywhere. For a long time, I tried to understand what was going on. I created hypothesis, signs, clues. But the motive was beyond me. No matter what I did, I was still the center of their attention. Despite my efforts, they never told me why the acted like so.
    I suspect, for them, everything was normal. And their denial made me panic. Made me a stranger, a foreigner, in my own job. Sometimes I’d came across a slight agitation. An expectation. Their surrounding me as if I was about to make a sudden revelation. But I can’t be sure of this. During that period, I learned how to live with this expectation without much embarrassment, already owning a discreet naturalness. Even so, they never revealed me anything. They just continued to survey me. My inaction, I trust, incited them even more.
    Until a beautiful morning, after two years, when I find the person from human resources again walking into the room accompanied by a very frightened young man. The HR made the usual introductions – the same discourse he did when I first arrived – and dragged the newbie to a table near mine. My neighbor was a newcomer now. A very clumsy one, incapable of hiding his lack of professional experience from his coworkers.
    I’ve always noticed how people don’t know where to put their hands in these situations. Or where to look. The first problem surrounds the body’s materiality: how it doesn’t know how to measure its own space or demarcate its borders. As years pass by, it learns its own codes. It domesticates its daily chaos. From then on, everything becomes natural, even if by protocol. But nothing in the world exposes more than the crime of a fake spontaneity, filled by artifices. Two feet under conventions, norms of conduct and well-being – what is then left of a man?
    I kept looking at the new guy. I saw all my former discomfort in him. And that’s when I knew, in a coordinated yet extraordinary manner, how I had stopped being the center of attention. My fellow companions no longer searched me. Everyone, including me, were obsessed with the new guy. And he, as expected, was very bothered by that. The poor devil purged in his sins.
    And so, just like that, all my estrangement disappeared. I started to follow the new guy with the same easiness as all the others. There was no difference. And that’s when I saw how I had reached the end of my probation: my so-dreamed stability.
    Since that day, the deed of being the newest member of the team, belonged to me.

PROBATÓRIO

Portuguese original by Iacyr Anderson Freitas

Chega sempre um instante em que já olhamos demais para uma paisagem, do mesmo modo que é preciso muito tempo para que a vejamos o bastante.

Albert Camus

    Antes de encontrar o primeiro emprego, a primeira ocupação digna de nota, enfrentei o despropósito. Um sem número de afazeres informais e, para variar, muita falta de dinheiro. Eu já estava cansado de bater de porta em porta, de ostentar tamanha sensação de inutilidade. Foram três anos de aflição, sem contar o sacrifício com os estudos. Todos os dias, então, se abriam debalde sobre um fundo escuro. Todos os dias iguais e irremediavelmente escuros. De uma certa forma, saí desta provação com seqüelas. Sinais que eu procurava a custo disfarçar, como um ferimento de guerra jamais cicatrizado. E que floria através do meu modo de andar medindo o chão, de pedir desculpas demais, de me curvar em silêncio diante de qualquer sentença ou compromisso.
    Hoje seria difícil descrever minha emoção, o que senti no dia em que fui chamado para assumir as funções de auxiliar de administração na empresa onde agora ocupo o cargo de supervisor de área. Vesti a melhor roupa e tratei de chegar cedo. O chefe do setor de pessoal levou-me até uma sala ampla, tomada de janelas muito altas. Ali, sem muita cerimônia, com um ar de quem cumpria uma missão grandiosa, mas habitual, fez uma breve apresentação dos colegas e me encaminhou até a mesa de trabalho. De acordo com as suas orientações, eu deveria encadernar e numerar os processos, levando a bom termo uma tarefa imprescindível para o funcionamento dos demais setores.
    Já bastante escaldado com os anos de desemprego, fiz o melhor possível. Procurava cumprir à risca todos os prazos, bem como auxiliar no atendimento de qualquer demanda emergencial. Tudo em prol do sucesso da nossa “equipe de colaboradores”, expressão cara à gerência da firma. A única coisa que me intrigava era o modo como os meus colegas de ofício, desde o primeiro dia, me olhavam. Isso era terrível para mim. Eles me observavam o tempo todo. Raramente me dirigiam a palavra. De uma forma um tanto infantil, também buscavam não dar mostras de que me seguiam por toda a parte.
    Durante um longo tempo tentei compreender o que se passava. Fui criando hipóteses, indícios, pistas. Mas o motivo de tamanha fixação me excedia. Não importava o que estivesse fazendo ou como o fizesse, eu era o centro das atenções. Por mais que me esforçasse em saber o que ocorria, não me falavam. Desconfio que, para eles, não havia nada de errado. E tal suspeita me deixava em pânico. Sentia-me um estranho ali. Um estrangeiro em meu próprio local de trabalho.
    Algumas vezes cheguei a perceber uma certa agitação. Uma expectativa. Eles me espreitavam como se, de repente, eu estivesse prestes a fazer uma notável revelação. Mas jamais tive a certeza disso. No decorrer daquele período, fui convivendo com essa expectativa sem grandes embaraços, já com uma discreta naturalidade. Apesar de tudo, eles não se curvavam. Estudavam-me do mesmo modo. Creio que a minha inação estimulava ainda mais a vigília a que me encontrava submetido.
    Passaram-se cerca de dois anos e, numa bela manhã, eis que vejo entrar na sala o chefe do setor de pessoal, trazendo a tiracolo um rapaz ainda muito assustado. Fez as apresentações de praxe - o mesmo discurso que embalou também o meu primeiro dia de trabalho na empresa - e arrastou o aprendiz até uma mesa contígua à minha. Agora eu tinha como vizinho um novo funcionário. Um calouro ainda muito atrapalhado, incapaz de ocultar dos demais companheiros de serviço a sua quase nenhuma experiência profissional.
    Sempre notei que uma pessoa nessas condições nunca sabe onde colocar as mãos. Nem para qual direção olhar. O primeiro problema que se impõe é de natureza material: o corpo não conhece a melhor forma de delimitar o seu espaço, de demarcar suas sesmarias. Com o passar dos anos, vai soletrando um código peculiar de gestos. Vai aprendendo a domesticar o caos circunstante. Daí para a frente, tudo passa a ser natural, ainda que um tanto protocolar. Mas nada no mundo escapa ao delito de exibir uma naturalidade repleta de artifícios. Dois palmos abaixo das convenções, das normas de conduta e de bem viver - e o que resta do homem?
    Fiquei observando o novato. Via nele todo o meu desajuste de outrora. Então reparei que, de um modo coordenado, extraordinário até, eu tinha deixado de ser o centro das atenções. Os meus companheiros de jornada não olhavam mais para mim. Todos, inclusive eu mesmo, estávamos fixados no novo funcionário. E ele, como não poderia deixar de ser, parecia bastante incomodado com isso. O pobre diabo purgava seus pecados.
    Assim, de um momento para o outro, todo o meu estranhamento desapareceu. Eu sondava o aprendiz com o mesmo desembaraço dos demais. Não havia diferença. Só então percebi o fim de meu estágio probatório: a tão sonhada estabilidade chegara. Pertencia a mim, a partir daquele dia, o feito de ser o mais novo integrante da empresa.

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